Neste último número da série sobre Governança Corporativa, vale a pena destacar que quando se trata da gestão de empresas familiares há, na atualidade, uma espécie de entendimento teórico compartilhado de que esse tipo de empresa se estrutura em três dimensões diferentes: (1) Família; (2) Propriedade; e (3) Empresa. Apesar disto, não obstante o grande número empresas familiares no mundo, as escolas de Administração tendem a privilegiar o tratamento da dimensão Empresa, ou seja, a enfatizar o aspecto “negócio” apenas.
“Cerca de dois terços das empresas em todo o mundo são de origem familiar. É essencial que elas pensem de maneira integrada dentro desses três itens para obter sucesso. É preciso aceitar a idéia de que uma organização familiar é regida por outros elementos que não apenas os negócios e, a partir daí, estruturar a empresa para lidar com esses fatores.”
John Davis, professor da Harvard Business School
Normalmente o que ocorre é que no início da empresa familiar essas três dimensões se encontram agrupadas de modo indiferenciado. Tende a prevalecer o sentimento de união aparentemente indissociável entre os interesses da família, da propriedade do capital e o da empresa e sua gestão. Com o passar do tempo, tendo a empresa sucesso, essas dimensões começam a se diferenciar, uma vez que o sentimento inicial de unidade passa a ser atenuado pela emergência de problemas típicos de cada dimensão separada que reclamam soluções específicas. A sabedoria está em reconhecer a existência dessas dimensões e tratá-las adequadamente.
“Ao longo dos últimos anos, avançamos muito na construção do nosso modelo de governança corporativa e hoje entendemos bem o papel de cada sistema (família, propriedade, empresa).”
Nelson Sirotsky, diretor-presidente da RBS
O comentário do diretor-presidente da RBS (Rede Brasil Sul de Comunicação), Nelson Sirotsky, ao receber o Prêmio IBGC de Governança Corporativa, na categoria Empresa Não-Listada em Bolsa de Valores (capital fechado), em 2006, ilustra bem a importância do adequado tratamento dessas três dimensões. O amadurecimento da gestão leva, inevitavelmente, não só à separação das dimensões mas, também, à necessidade de dar-lhes adequado tratamento.
Em se tratando de governança corporativa, inclusive (ver o Gestão Hoje números 635, 636 e 637), pode-se dizer que ela se dá, justamente, na intersecção dessas três dimensões (usando-se emprestada a terminologia da Teoria dos Conjuntos, é possível dizer que a governança corporativa encontra-se no “conjunto união” dessas três dimensões). Pode ser entendida como uma espécie de evolução, ao mesmo tempo conseqüência e causa do aperfeiçoamento da gestão. Conseqüência porque só pode aparecer quando iniciou-se de modo irreversível a separação das dimensões. Causa porque, ao instalar-se, acelera o processo de aperfeiçoamento, inclusive na direção daquilo que, nos dias atuais firma-se como etapa obrigatória para as empresa familiares bem sucedidas que necessitam de recursos para expansão: a abertura do capital.
Por fim, ao final dessa pequena série sobre governança corporativa e, em especial, na empresa familiar, a frase-advertência do grande Peter Drucker:
“A empresa e a família só sobreviverão e sairão bem se a família servir a empresa. Nenhuma das duas seguirá bem se a empresa for dirigida para servir à família.”
Peter Drucker, 1909-2005, guru da Administração